Redação - (Quinta-feira, 09-10-2014, Gaudium Press)
- "Faça-se em mim segundo a Tua palavra" bem pode ser considerado como
o maior "sim" da história. Um "sim" que moveu os céus e serve de
exemplo eternamente para os anjos e homens. Transcrevemos hoje
considerações sobre a obediência extraídas da monografia "A obediência
na escola espiritual de Plinio Correa de Oliveira", escrita pelo Padre
Flávio Roberto Lorenzato Fugyama, EP:
A REDENÇÃO
1. Maria, a nova Eva. Por uma
desobediência perdeu-se o Paraíso; por uma obediência obteve-se o
Messias e a Redenção do gênero humano
Com o pecado de nossos primeiros pais e
sua expulsão do Paraíso, fruto de sua desobediência, Deus deixou para
eles, no momento da maldição, a esperança de que pela raça da mulher
seria esmagada a cabeça da serpente (cf. Gn 3,15). Em sua infinita
Bondade, quis Deus reforçar aos homens essa sua promessa, através do
profeta Isaías: "Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o
seu nome será Deus Conosco" (Is 7,14)[1]. Quem seria esta mulher
misteriosa que esmagaria a cabeça da serpente e que, num paradoxo
humanamente irreconciliável, conceberia permanecendo sempre virgem,
conforme a profecia de Isaias?
Esta mulher, que a Santa Igreja proclama
Mãe Puríssima e Virgem Gloriosa, ao anúncio de que conceberia o Filho
do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo sem conhecer homem algum
(Cf. Lc 1,28-37), e certa de que "a Deus nenhuma coisa é impossível"
(Cf. Lc 1,37)[2], realizou "da maneira mais perfeita a obediência da
fé"[3], de que nos fala São Paulo (cf. Rm 1,5), quando disse: "Eis aqui a
escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Cf. Lc
1,38).[4]
Deste modo, com seu consentimento,
abraçando de todo o coração a vontade divina de salvação, Maria
tornou-se Mãe de Jesus e "consagrou-se totalmente, como escrava do
Senhor, à pessoa e obra de seu Filho", para servir, na dependência d'Ele
e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção.[5]"Com razão,
pois, os Santos Padres estimam Maria não como um mero instrumento
passivo, senão como uma cooperadora da salvação humana, pela livre fé e
obediência".[6]
Assim, comenta Santo Irineu: "o nó da
desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria. O que uma
fez por incredulidade o desfez a outra pela fé".[7] A este respeito, é
interessante notar, com um autor francês, o modo como Deus transmitiu
Sua vontade a ambas, sendo muito mais claro, incisivo e categórico com
relação a Eva, o que não era necessário a Maria, porquanto sabia
entender a vontade divina mesmo sem um mandato expresso, o que é o mais
alto grau de obediência, como vimos no capítulo precedente:[8]
"No Paraíso Terrestre, o próprio Deus
fez à primeira Eva uma proibição expressa, com a ameaça de uma terrível
sanção: "Não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal;
porque, em qualquer dia que comeres dele, morrerás indubitavelmente" (Gn
2, 17)[9]. Contudo, a infortunada mãe dos homens desobedeceu a seu
Criador.
"A Maria, pelo contrário, por seu
mensageiro celeste, Deus Se limita a exprimir um desejo do qual Ela
poderia eximir-Se sem incorrer em sua maldição: "Achaste graça diante de
Deus; eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a Quem
colocarás o nome de Jesus" (Lc 1, 30-31).[10] Ora, se vemos a doce
Virgem ficar atônita por um instante, não é pela hesitação diante da
vontade de Deus, pois somente sua incomparável humildade e delicada
pureza A fazem temer a insigne honra da maternidade divina.[11]"
2. A obediência de Maria em algumas passagens bíblicas
E assim, toda a vida de Maria não foi
senão um contínuo descobrir a vontade de Deus para submeter-se pronta e
docilmente a ela. E se é verdade que "a obediência de Maria inspirou a
concepção do Verbo de Deus; a obediência de Maria presidirá também ao
nascimento do Salvador dos homens"[12] e à sua infância.
Assim, junto a São José, seu castíssimo
esposo, observa-se Maria obedecendo ao decreto de recenseamento
promulgado por César Augusto (Lc 2,2-5), sofrendo com humildade e sem
reclamar o infortúnio de não encontrar uma porta aberta para abrigar sua
pobreza, chegando a se refugiar num estábulo, onde se completou o
grande mistério de amor. Tudo isto porque via naquela provação a
manifestação da vontade divina.[13] Ali, na mais absoluta privação,
"Maria obedece sempre e, sussurrando o "Fiat" da Encarnação, embala seu
recém-nascido".[14]
Quarenta dias após o nascimento de
Jesus, a voz de Deus fala novamente a Maria convidando-A a apresentar-se
no Templo para purificar-Se. Mas, sendo Virgem Imaculada, cuja
maternidade milagrosa não tinha sequer resquício da mancha do pecado
original, como poderia essa lei de purificação atingi-la? "Pouco
importa! Deus falou, Maria obedece e Se junta às outras mães, para
compartilhar a humilhação".[15] Nesta passagem (Lc 2,21-24),
contempla-se Maria obediente às prescrições da Lei judaica; Ela, que não
necessitava de uma purificação legal, como explica Monsenhor João
Scognamiglio Clá Dias:
"porque concebida sem pecado original,
virginalíssima, não tendo esposo homem, a não ser esposo Deus, estava
por cima da Lei completamente. [...] E que sentido tem a Mãe entregar
para Deus aquilo que é de Deus? É de Deus, pois Ele, Jesus, é Filho de
Deus. Não tinha sentido Ela ir no Templo para isso. Entretanto Ela quer
cumprir a Lei, e Ela quer cumprir nas minúcias. E chega ao Templo e
coloca o Menino Jesus nas mãos de Simeão. E, portanto, Ela entrega a
Deus o que é de Deus e sabe perfeitamente o que significa aquele gesto;
aquele gesto significa que Ela está entregando o Menino Jesus para a
Cruz. Porque quem recebe o Menino Jesus nesse momento é Simeão, mas mais
tarde no Calvário, quem estará com os braços abertos para receber não
mais o Menino Jesus, mas o próprio Filho de Deus feito homem, todo
chagado, é a Cruz. A Cruz está de braços abertos.
"Então, este ato é um ato que Ela cumpre
porque quer ser obediente, mas cumpre com toda a compreensão da grande
perspectiva que tem diante de si. E nós vemos então Nossa Senhora, nesse
ato, ressaltando uma virtude extraordinária que é a virtude da
obediência.[16]"
Mas sua obediência não se limitava
somente à lei judaica. "Ela praticou, igualmente, a obediência perfeita a
todos os mandamentos, acompanhada da mais generosa prontidão em seguir
todos os conselhos e inspirações do Espírito Santo".[17] E quando Maria
pensava prodigalizar a seu Divino Filho todas as efusões de sua ternura,
aparece novamente o Anjo do Senhor, comunicando a ordem de partir para o
Egito, pois Herodes, o cruel tirano, tramara a morte de Jesus (cf. Mt
2,14). "É o exílio, com suas incertezas e seus perigos. Maria,
entretanto, não cessa de obedecer: repetindo seu ‘Fiat', Ela aperta a
seu coração angustiado o doce Salvador do mundo e foge a toda pressa
para a terra do Egito".[18]
Assim se deu até o início da vida
pública de seu Filho, quando podemos ouvi-La intercedendo em favor dos
esposos que passavam por um grande apuro, pela falta de vinho nas bodas
de Caná, com palavras que servirão de recomendação desta virtude para
todos os séculos: "Fazei o que ele vos disser" (Jo 2,5).[19]
3. O maior título de glória de Maria: o elogio de Jesus à Sua obediência
O Evangelho narra ainda dois episódios,
com vários aspectos semelhantes entre si, em que o valor da obediência
de Nossa Senhora é exaltado de forma extraordinária pelo próprio Nosso
Senhor Jesus Cristo. Esta glorificação de sua submissão à vontade divina
é sobretudo esplendorosa tendo-se presente que "o dogma mais importante
da Virgem Maria é sua maternidade divina".[20]
O primeiro dos dois fatos, narrado por
Lucas, deu-se numa ocasião em que, após Jesus ter curado um possesso, os
fariseus passaram a acusá-Lo de fazer milagres em nome de Belzebu. O
Divino Mestre estava rebatendo vitoriosamente essa blasfema calúnia
quando, de súbito, uma mulher brada do meio da multidão que o escutava:
"Bem-aventurado o ventre que Te trouxe, e os peitos que Te amamentaram"
(Lc 11,27).[21] Nosso Senhor Jesus Cristo, porém, com palavras que
ressaltam o valor da obediência, retrucou: "Antes bem-aventurados
aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática" (Lc 11,28).[22]
Para uma pessoa com pouca instrução
teológica poderia parecer, à primeira vista, que Nosso Senhor não
prestou a honra e homenagem devidas à Sua Mãe. Entretanto,
"...nessa resposta, de fato, Nosso
Senhor proclamou para todas as gerações que a Virgem Maria seria
glorificada não tanto por seus privilégios e sua dignidade de Mãe de
Deus, quanto por haver ouvido e praticado integralmente a palavra e as
ordens de Deus. Ter tomado como lei a vontade divina e cumprido com
fidelidade e à custa de todos os sacrifícios os desígnios do Pai
Celeste, eis - como disse Santo Agostinho - o mais belo título de glória
de Maria.[23]"
Ouvir a palavra de Deus e pô-la em
prática é, evidentemente, obedecer, como explica Stöger: "obedecer
significa escutar a manifestação da vontade de outrem ([...] αχουειν,
υπαχουειν) e dar-lhe resposta".[24] Portanto, estas palavras do Divino
Salvador patenteiam que Nossa Senhora era mais feliz por ser obediente,
escutando a palavra de Deus e pondo-a em prática, do que propriamente
pela sua dignidade de Mãe de Deus, o que significa uma magnífica
exaltação do valor da obediência praticada por Maria Santíssima. Para
corroborar o sobredito, é oportuno colher nos Santos Evangelhos mais um
episódio descrito por Mateus, em seu capítulo 12, versículos 46-50, que
ilumina inteiramente os comentários acima aportados:
"Jesus falava ainda à multidão, quando
veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe
falar. Disse-lhe alguém: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem
falar-te". Jesus respondeu: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?"
E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: "Eis aqui
minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que
está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe".[25]"
Entretanto, há uma preciosidade a mais.
Depois de uma vida inteira de obediência, contempla-se, por fim, o
momento de cumprir-se a profecia de Simeão: "uma espada transpassará tua
alma" (Cf. Lc 2,35).[26] Assim como Maria apresentara-se obediente no
Templo, levando o Terno Infante em seus braços, num ato supremo de
obediência à vontade divina Ela também O oferecerá voluntariamente como
Vítima no altar da Cruz, a fim de que seja operada a Redenção do gênero
humano.
"Deus falou, é preciso que Jesus, o
inocente Filho de Maria, derrame seu sangue pela redenção do mundo. Ah!
Desta vez ouviremos subir do Coração de Maria, de seu Coração de Mãe, um
grito de revolta? Não. Maria permanece de pé junto à Cruz e, enquanto
Jesus geme em amargo pranto, Ela cala-Se, com o coração transpassado de
dor, e derrama em silêncio lágrimas de sangue. Inclinando a cabeça,
Jesus expira, obedecendo até a morte de cruz, e ao mesmo tempo Maria,
obediente e resignada, inclina também sua cabeça sobre seu coração
quebrantado.
"Ó heroica obediência de nossa Mãe, que exemplo e que lição destes aos cristãos de todos os séculos![27]"
Pela obediência à vontade divina, Nossa
Senhora cooperou real e imediatamente com seu Filho na grandiosa obra da
Redenção dos homens, reparando aos pés da Cruz o pecado da
desobediência de Adão e Eva perante a justiça divina, e merecendo, em
união com Ele, todas as graças da Redenção. Quis Deus Pai que, ao Sangue
derramado por seu Filho, fossem unidas as lágrimas de Maria como preço
deste resgate, apesar de per se não ser absolutamente necessário. Em uma
palavra: "Na economia da salvação, não há um Corredentor e uma
Corredentora, mas um só Redentor e uma Corredentora. Neste sentido,
pode-se dizer que a cooperação da Virgem é parte integral de nossa
Redenção".[28] Como disse o bem-aventurado Papa João Paulo II,
"...Maria, a Mãe de Deus, é modelo para a
Igreja [...]. Por sua adesão incondicional à vontade divina que lhe foi
revelada, torna-se Mãe do Redentor, com uma participação íntima e toda
especial na história da salvação. [...] Ao confessar-se serva do Senhor
(Lc 1,38) e ao pronunciar o seu sim, acolhendo "em seu coração e em seu
seio" o mistério de Cristo Redentor, Maria não foi instrumento meramente
passivo nas mãos de Deus, mas cooperou na salvação dos homens com fé
livre e inteira obediência. Sem nada tirar ou diminuir e nada
acrescentar à ação daquele que é o único Mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo, Maria nos aponta as vias da salvação, vias que
convergem todas para Cristo, seu Filho, e para a sua obra
redentora.[29]"
Por esta razão, a tradição dos Padres da
Igreja colocam Nossa Senhora como protótipo e modelo de obediência para
todos os cristãos.
4. O exemplo de Maria na Igreja primitiva
Em geral, "na patrística dos primeiros
séculos se recolhe e desenvolve o paralelismo que estabeleceu São Paulo
entre Adão e Cristo, tal como a referência a Maria, com relação a Eva,
sob o aspecto da obediência".[30]Durante o segundo e terceiro séculos,
"São Justino, Santo Irineu e Tertuliano insistem sobre o paralelo entre
Eva e Maria e mostram que, se a primeira concorreu para a nossa queda, a
segunda colaborou na nossa redenção".[31]Santo Irineu, por exemplo,
afirmava que
"...como Eva, seduzida pelas palavras do
anjo (rebelde) se desviou de Deus e traiu a palavra dada, assim Maria
ouviu do Anjo a boa nova da verdade e trouxe Deus em seu ventre por ter
obedecido às suas palavras [...] O gênero humano acorrentado por uma
virgem e libertado por uma virgem [...]; a prudência da serpente cede à
simplicidade da pomba; foram quebrados os laços que nos prendiam à
morte.[32]"
Pe. Flávio Roberto Lorenzato Fugyama, EP
(Trecho extraído da monografia "A obediência na escola espiritual de Plinio Correa de Oliveira")
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