Há exatos
cem anos, o mundo estava imerso em plena Primeira Guerra Mundial. Por
outro lado ainda não completara vinte anos da morte de uma humilde
freira, destinada a ser um dos sóis a brilhar nos céus da Igreja: Irmã
Teresa do Menino Jesus.
Morrera
inapercebida em 1897, na solidão e bênçãos de um Carmelo, mas seria tal a
sua ação sobrenatural que nos anos seguintes seria uma das mais
conhecidas e veneradas. Publicamos a seguir impressionantes depoimentos.
Guy Gabriel de Ridder
O mosteiro
carmelitano de Lisieux,onde ela fez o holocausto de sua vida ao amor
misericordioso de Deus, possui mais de dois mil dossiês contendo cartas
autógrafas recebidas no decorrer Da guerra, bem como condecorações,
medalhas, balas,capacetes e obuses transformados em ex-votos.
Comemorando
o primeiro centenário da deflagração dessa guerra,uma prestigiosa
editora francesa lançou, em colaboração com o mosteiro,um volume de 203
páginas (2)contendo uma seleção de 75 dessas cartas, muito pouco
conhecidas. Reproduzimos algumas delas.
Parti sem me confessar
“Sou um
favorecido por Teresinha do Menino Jesus e deposito nela grande
confiança. Visitei seu túmulo em maio de 1914 e voltei muito
impressionado.Entretanto, tendo sido declarada a guerra, recusei-me a
atender aos instantes pedidos de minha mulher e parti sem me confessar. O
respeito humano impediu-me de cumprir meu dever de católico.
Estava
afastado da Igreja desde minha Primeira Comunhão. Todavia,aceitei uma
relíquia e uma pequena imagem da Irmãzinha, e recorria instintivamente a
ela cada vez que me encontrava em perigo nos combates. E ela me
protegia, e também aos meus camaradas, pois nunca vi nenhum deles morto
ou ferido perto de mim.
Em meados
de setembro, estávamos nas trincheiras, numa situação difícil, pois a
artilharia não cessava de troar. Pensando com muita tristeza em minha
pequena família, eu rezava:“Minha Irmã Teresa, eu vos
suplico,devolvei-me à minha esposa e aos meus filhos, e prometo ir
visitar vosso túmulo logo depois de retornar a minha terra”.
Mal
terminara essa oração, vi abrir-se uma nuvem e aparecer no céu azul o
rosto da santa. Julgava–me vítima de uma alucinação. Esfreguei várias
vezes os olhos, olhando de novo a visão, mas não podia ter dúvida
alguma, pois sua fisionomia se mostrava cada vez mais clara e
resplandecente. Pude contemplá-la assim por cerca de dois minutos.
Observei sobretudo seus belos olhos, elevados ao céu como para rezar.
Desde
então sempre fui corajoso; não me sentia mais sozinho. Tinha também a
mais firme esperança de reencontrar minha família e tomei a inabalável
resolução de voltar ao Deus da minha infância.
De fato,
pouco tempo depois, por motivo de doença, fui retirado do front e
conduzido ao hospital; e quando ali alguém perguntou quem queria
comungar, não tive medo de manifestar meu desejo. (3)
“Devo isto à minha pequena Irmã Teresa!”
Desde o
início da guerra, tenho comigo uma relíquia da Irmã Teresa. Eis o que me
aconteceu. No último dia de batalha na região da Marne, em setembro,
tínhamos apenas oito canhões, contra 25 do inimigo. Nesse momento
crítico, acabou-se nossa munição e, na precipitação para avançar outra
bateria que vinha substituir a nossa, caí e meu canhão passou sobre
minhas duas pernas. Elas deveriam ter sido completamente esmagadas, pois
cada canhão pesa mais de duas toneladas!
Meus
queridos companheiros de armas acorreram para me transportar. Qual não
foi, porém, seu espanto ao verem-me levantar sem dificuldade alguma!
“Milagre! Milagre!”, gritaram todos.
Respondi-lhes
logo, com o coração transbordante de gratidão: “Devo isto à minha
pequena Irmã Teresa!”. Ato contínuo, tirei do bolso um lápis branco e
escrevi em grandes letras no meu canhão:BATERIA IRMÃ TERESA DOMENINO
JESUS.
E desde
então, quando chove e a inscrição se apaga, eu a re escrevo o mais
rápido possível. Tenho uma confiança ilimitada na proteção desta santa.
(4)
Um estilhaço de granada em pleno peito
Sob
juramento, afirmo dever a vida à Irmã Teresa do Menino Jesus. Em 16 de
março de 1916, na véspera de partir pela segunda vez para o front, um de
meus camaradas deu-me uma imagem da santinha, dizendo-me: “Parece que
ela obteve já muitos milagres em favor dos soldados, e nos protege”. Até
então, eu não a conhecia, mas desde esse dia não deixei de invocá-la
todas as noites, rezando um Pai-nosso e uma Ave-Maria em sua homenagem.
Pouco
depois, em 30 de abril, participei da sangrenta batalha de Verdun. No
terrível combate, sem parar de lutar,eu rezava a Sor Teresa. Recorria a
ela, não por medo, pois nunca tive medo, mas lhe pedia que sustentasse
minha coragem, coisa bem necessária naquele trágico momento!
De
repente, na confusão do combate, a 20 metros do inimigo, recebi em pleno
peito um estilhaço de granada. Desmaiei e, quando recobrei os
sentidos,a batalha continuava no auge. Exaurido e perdendo sangue, não
tinha forças para me arrastar para fora. Mas, lembrando-me de minha
santa Protetora, gritei: “Irmã Teresa do Menino Jesus, não me
abandone!”.
E ela
ouviu minha súplica, pois, sob as rajadas das metralhadoras, logo
chegaram os padioleiros e me transportaram ao primeiro posto de socorro.
Lá, julgando grave o meu caso, um valente capelão administrou-me, ao
som dos canhões, a Extrema Unção. Apesar dos sofrimentos, eu me sentia
feliz e pensava, com gratidão, que esse socorro religioso eu o devia à
Irmã Teresa. Eu tinha tanta confiança na querida santinha que, uma vez
ao abrigo das balas, pedi-lhe um segundo milagre: o de curar-me e me
guiar até a sua sepultura, em Lisieux. E fui atendido. [...]
Agora
sinto-me disposto a todos os sacrifícios, todos os sofrimentos, pois a
Santa fez-me compreender que assim expiarei meus pecados e ademais, que
Jesus Cristo padeceu muito mais por nós. (5)
* * *
Passou-se
um século desde o início da terrível guerra e a devoção à Santa
Terezinha não tem feito senão crescer e expandir-se pelo mundo todo. Pio
XI a canonizou em 1925, apenas 28 anos depois de sua morte. E em 1997
São João Paulo II a proclamou Doutora da Igreja.
Fiel à sua
promessa de passar o Céu fazendo bem à Terra, tem ela favorecido
especialmente as novas gerações, tão necessitadas de ajuda espiritual em
razão da sua marcante debilidade.
(1) Nous les Poilus. Plus forte quel’acier – Lettres des tranchées à Thérèse de Lisieux. Paris: Du Cerf, 2014.(2) Carta de Auguste Cousinard,op. cit., p.17-19.
(3) Carta de Paul Dugast, op. cit.,p.20-21.
(4) Carta de J. Lallement, op. cit.,p.64-65.
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