"Rogai
por nós pecadores, agora... e na hora de nossa morte". Qual a razão de
tanta insistência em pedir que Maria nos assista no fim de nossa vida?
Na oração que tantas vezes dirigimos a
Nossa Senhora há duas partes distintas, as quais convém analisar: uma
diz respeito ao presente, a outra ao futuro. A primeira muda
continuamente no que diz respeito ao tema do pedido; a segunda não
varia, roga sempre a mesma graça.
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A intercessão de Maria Santíssima nos é tão necessária quanto eficaz na hora da morte. Como são felizes as almas assistidas por Ela nessa hora!
"Madona del Pilastro" Basílica de Santo Antônio, Pádua - Itália |
Rogai por nós agora é o pedido da hora
presente, cujo objeto será diferente conforme nossas necessidades. Por
vezes será a solicitação de uma graça protetora, outras vezes de
consolo, às vezes de alívio e de cura de alguma enfermidade.
Mas, rogai por nós na hora de nossa
morte diz respeito ao futuro, e é sempre o mesmo pedido que fizemos
ontem, fazemos hoje, repetido 200 vezes no Rosário, e voltaremos a fazer
amanhã, se Deus nos conceder um novo dia e se nele rezarmos a Saudação
Angélica.
Então, por que a Santa Igreja, por meio
da Ave Maria, oração quotidiana e familiar a todos os cristãos, até
mesmo aos mais indiferentes, formulou este pedido: Rogai por nós na hora de nossa morte?
Só pode ser por razões muito dignas de sua sabedoria; é porque na hora
da morte a intercessão da Santíssima Virgem Maria nos é soberanamente
necessária e em extremo eficaz.
Necessidade da assistência de Maria nos derradeiros momentos
Para compreender bem quão necessária é a
assistência de Nossa Senhora em nossos derradeiros momentos, deve-se
lembrar que a hora da morte é propriamente a hora decisiva e difícil
entre todas. Nela será fixado nosso destino para toda a eternidade.
Quando cai uma árvore, à direita ou à esquerda, lá onde cai, fica, bem
diz o Eclesiastes (11, 3). Se cair para o lado certo, se morrermos na
graça de Deus, seremos felizes para sempre; mas se cair do lado errado,
se morrermos na inimizade de Deus, nosso lugar será junto aos réprobos. A
hora da morte é a hora do combate supremo. Se triunfarmos do demônio,
todas as nossas derrotas passadas serão reparadas, seremos vitoriosos
para sempre, tomaremos lugar entre os eternos triunfadores e o Rei do
Céu nos cingirá com a coroa da glória eterna.
Vejamos o bom
ladrão. Sua vida estava manchada por vários crimes. Tinha sido um infame
criminoso que tingiu suas mãos no sangue de irmãos; alguns instantes
antes de morrer, se arrependeu, foi perdoado, seus crimes foram apagados
e - qual piedoso ladrão do Céu, como é chamado -, por um instante de
sincera penitência, foi compartilhar as alegrias do Paraíso com os
patriarcas e os profetas que passaram a vida inteira na prática de boas
obras.
Se, pelo contrário, no último momento, nosso inimigo, o
demônio, triunfar sobre nós, nossas vitórias já adquiridas, por mais
numerosas ou retumbantes que tenham sido, nos serão inúteis. Nossas boas
obras, embora tivéssemos vivido como justos durante longos anos,
estariam perdidas para sempre e se volatilizariam como simples nuvem
dispersa pelo vento. Ficaríamos como navegadores que, após triunfarem
sobre várias tempestades em alto mar, vêm soçobrar no próprio porto de
chegada.
Uma trágica defecção de última hora
Lembremos-nos da história dos 40
mártires de Sebaste. Eram 40 soldados que, juntos, nas tropas do
exército romano, travaram inúmeros combates nesta terra, além de
ganharem combates no Céu, pela prática das virtudes cristãs, sob o
estandarte de Jesus Cristo. Para defenderem a Religião, compareceram
diante do tribunal de seus perseguidores, confessando valentemente sua
fé, sem se deixarem intimidar por ameaças nem seduzir por promessas.
Foram todos jogados no calabouço e condenados a morrer num lago gelado.
Os anjos já os sobrevoavam, trazendo nas mãos as coroas destinadas a
esses gloriosos atletas, quando um deles, vencido pelo frio, saiu do
lago para um banho de água morna preparado com vistas à desistência de
algum deles. Pouco depois ele morreu (devido à mudança brusca de
temperatura), perdendo por um instante de fraqueza os frutos de uma
longa vida passada no exercício das virtudes, os méritos reluzentes de
sua confissão de fé e a glória de um martírio quase consumado, deixando
seus companheiros imersos na incomparável dor de sua defecção.
A hora da morte é uma hora decisiva, mas é também uma hora difícil.
Angústias dos moribundos
Como são atrozes as angústias dos
moribundos, que não tenham perdido completamente a fé, quando os
remorsos da consciência, o temor do julgamento iminente e a incerteza
quanto à salvação eterna se unem para enchê-los de perturbação e pavor!
Os demônios redobram de raiva para agarrar essa presa que lhes escapa.
Acorrem numerosos em torno da cama do doente para tentar um supremo
esforço.
Pudesse ainda o moribundo reagir na plenitude de suas
forças! Mas não pode! Nunca terá sido atacado com tanta violência e
jamais esteve tão fraco para se defender. A deficiência do corpo provoca
um desastroso contragolpe na alma. A imaginação fica de todo
desordenada. É como se fosse um campo aberto que os animais selvagens -
melhor seria dizer fantasmas dos mais lúgubres e dos mais espantosos -
atravessam livremente em todas as direções. O espírito fica repleto de
trevas, a vontade sem energia e cheia de languidez.
Necessidade imperiosa do auxílio de Deus na hora da morte
Como o socorro de Deus é necessário
nessa hora! Quão indispensável é a graça divina para perseverar!
Entretanto, a graça, sobretudo a graça da perseverança final, é um dom
de Deus que não nos é dado merecer, mas podemos obter infalivelmente
pelas nossas orações.
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Nossa Senhora com o Menino Jesus Catedral de Boston - USA |
Ora, como por um privilégio todo
especial de Deus, o qual quer assim honrar sua Mãe, a Santíssima Virgem é
a Medianeira obrigatória por cujas mãos todos os favores do Céu devem
passar, a Ela é que devemos pedir esta graça das graças. Compreendamos
então por que a Santa Igreja nos leva a pedir tantas vezes a assistência
de Maria Santíssima para a hora de nossa morte. Compreendamos também o
motivo pelo qual ela nos incita a repetir todos os dias: Santa Maria, rogai por nós na hora de nossa morte.
Nessa hora, intercessão infalível de Maria Santíssima
A intercessão de Maria Santíssima nos é
tão necessária quanto eficaz nessa suprema e solene circunstância. Como
são felizes as almas assistidas por Maria nessa hora! Elas não podem
perecer. Ainda que estejam cativas da tirania do demônio, esta boa Mãe
romperá seus grilhões e lhes obterá os frutos benfazejos de uma sincera
conversão, instando-as a fazerem verdadeira penitência. Lá estará Ela
perto de seu leito de dores, como uma mãe à cabeceira do filho
moribundo, dissipando suas angústias, acalmando suas dores, adoçando
suas penas, proporcionando uma santa paciência e tomando sua defesa ante
os ataques furiosos e múltiplos do espírito das trevas.
Quando
chega a derradeira hora de algum devoto de Nossa Senhora, diz São
Boaventura, esta boa Mãe lhe envia os espíritos angélicos que estão às
suas ordens, juntamente com São Miguel, seu chefe. E Ela, que é o
flagelo do inferno - como diz São João Damasceno - Ela que tem, por
missão, o ódio à serpente infernal, lhe faz sentir, sobretudo quando
algum de seus devotos vai abandonar este mundo, todo o seu vitorioso
poder. Ela é para o demônio, nessa ocasião, terrível como um exército em
ordem de batalha. Torna-se contra ele como essa torre da qual fala o
Cântico dos Cânticos, onde mil escudos estão levantados com as armas dos
mais valorosos.
Não, um servidor de Maria não pode perecer! -
declara São Bernardo. - Não, aquele por quem Maria se dignou rezar não
pode mais ter dúvida de sua salvação e de sua ida à glória do Céu! - diz
Santo Agostinho.
Não, aquele pelo qual Maria rezou uma vez não
perecerá! Não, quem recitou piedosamente todos os dias a Ave Maria não
será abandonado na última hora! - exclama também Santo Anselmo. Esta
oração possui todas as qualidades capazes de torná-la infalivelmente
vitoriosa.
Em primeiro lugar, ela é santa em sua motivação.
Com efeito, o que pedimos por ela? A perseverança final "na hora de
nossa morte". Depois, ela é humilde. Por ela confessamos a Maria
Santíssima nossa miséria, revestindo-nos de um título que nos convém tão
bem: "pobres pecadores".
Ela é também confiante, pois
nos dirigimos à mais poderosa intercessora que possa haver, Àquela que é
chamada de "Onipotência suplicante", em vista de sua santidade
proeminente e de sua dignidade incomparável de Mãe de Deus: "Santa
Maria, Mãe de Deus".
Esta oração é perseverante. Qual
oração pode ser mais perseverante? Ainda que, por suposição, só
rezássemos uma Ave Maria por dia, quantas vezes durante nossa vida
teríamos pedido a Ela para interceder por nós na hora da morte? E como
será então se rezarmos ao menos uma dezena do Rosário? Mais ainda se
tomarmos o costume de rezar diariamente um terço inteiro? Será possível
que Maria Santíssima, tão zelosa de nossa salvação, não nos ouça? Não!
Isso é impossível! A isso se opõem as promessas, os juramentos de Jesus
Cristo Nosso Senhor relativos à oração, assim como a bondade e a ternura
de sua Mãe Santíssima.
Tomemos, pois, a resolução de rezar todos
os dias de nossa vida, com uma nova fé, uma nova confiança e um novo
cuidado, esta curta mas tão bela e eficaz oração da Ave Maria. Assim
obteremos a cada dia aquelas graças particulares das quais precisamos e,
sobretudo, a graça necessária no fim da vida, a maior delas, a mais
importante de todas as graças, a graça da perseverança final.
Santo André Avelino
Segundo se narra, na hora da morte de
Santo André Avelino, um grande servo de Maria, seu leito estava envolto
por mais de dez mil demônios; durante sua agonia, ele teve de travar
contra o inferno um combate tão terrível que deixou estupefatos todos os
religiosos ali presentes. Viram seu rosto decompor-se e ficar lívido.
Ele tremia em todos os seus membros, rangia os dentes, lágrimas
abundantes corriam-lhe pela face, testemunhando a violência do assalto
ao qual estava sujeito. O espetáculo arrancou lágrimas de todos os
assistentes. Cada qual redobrava as orações e tremia por si, ao ver um
santo morrer dessa maneira. Uma única coisa consolava os religiosos: o
moribundo muitas vezes voltava o rosto para uma imagem da Virgem,
indicando assim pedir seu socorro e lembrando- lhes ter dito várias
vezes durante a vida que Maria Santíssima seria seu refúgio na hora da
morte.
Afinal, aprouve a Deus pôr um término a esse combate,
outorgando ao santo a mais gloriosa vitória. As agitações cessaram, o
rosto do moribundo retomou sua serenidade primeira; viram- no permanecer
tranqüilo, mantendo o olhar em direção à imagem, inclinar-se em sinal
de reconhecimento e, em seguida, expirar docemente nos braços da
Santíssima Virgem, que ele tanto invocara em vida e que vinha fazê-lo
sentir sua todo-poderosa proteção naquele supremo momento.
Imitemos
a devoção de Santo André Avelino e, como ele, em nossa última hora
seremos assistidos e socorridos pela misericordiosíssima Rainha dos
Céus.
(Tradução, com adaptações, de "L'Ami du Clergé" nº 39, de 23/9/1880)
(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2007, n. 65, p. 34 à 36)