Num dos últimos anos do século XIX, sentava-se no banco dos réus, no
tribunal de Paris, um jovem de 17 anos, acusado de homicídio.
Por cima dos juízes via-se ainda então pendurado o Crucifixo, que mais tarde havia de ser banido da sala da justiça.
Durante a discussão o acusado manteve um cinismo repelente. Tomou a palavra o defensor.
“Meus
senhores – disse ele com gravidade solene que a todos logo impressionou
– é bem simples a minha tarefa, pois o acusado confessou o seu delito.
Não posso defendê-lo porque não vejo para ele nenhuma esperança de misericórdia; serei portanto breve.
Mas se a justiça lhe pede contas do seu delito, haveis de permitir
que, por minha vez, vos peça contas da sentença, porque há aqui alguém
que é mais culpado que o próprio assassino.
Esse culpado eu vo-lo denuncio, ou antes esses culpados, eu os acuso: Sois vós, Senhores,
que me estais ouvindo, vós, os representantes da sociedade, desta
sociedade que pune os delitos de que é a causa e que a não quis impedir.
Vejo diante de mim, e saúdo, a imagem de Cristo morrendo na cruz; Ele
está aqui no vosso tribunal onde trazeis à barra o culpado.
Mas por que é que não está também na escola, onde chamais a criança para instruí-la?
Por que é que punis sob os olhares de Deus, quando formais as almas longe de Deus?
Por que não o encontrou nos bancos da escola?
Teria então evitado o banco da família onde agora está. Quem lhe disse que há um Deus e uma justiça eterna?
Quem lhe falou da sua alma, do respeito que deve ao próximo, do amor fraterno?
Quem lhe intimou a lei de Deus: Não matarás?
“Abandonaram esta alma às suas más inclinações; este rapaz viveu como
um jovem selvagem no deserto; só, no meio desta sociedade que agora
mata o “tigre”, quando devera primeiro, na hora propícia, ter-lhe
cortado as garras e domado a ferocidade”. –
O jovem ouviu maravilhado e como que com triunfo esta defesa tão
estranha para ele, e um sorriso de satisfação lhe assomou aos lábios e
aos olhos quando o advogado, ao concluir, disse:
“Sim, meus Senhores, eu vos acuso; a vós civilizados, quando mais não
sois do que bárbaros; moralistas quando conduzis em triunfo o ateísmo e
a pornografia… e vos mostrais depois estupefatos quando se vos responde
com o crime…
Condenai o meu cliente, é o vosso direito; mas eu acuso-vos como culpados do seu delito: é o meu dever”.
Uma salva de aplausos cobriu a voz do advogado quando se sentou.
Os jurados retiraram-se para a sala das deliberações e pronunciaram um veredictum afirmativo a todos os quesitos: o assassino, não obstante a sua menoridade, é condenado à pena de morte.
O advogado então levantou-se; e com a mão estendida, apontando o
Crucifixo, deixou cair lentamente, uma a uma, estas palavras que
penetravam em todos os corações como uma sentença divina: Deus julgará os juízes.
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