Quando ainda menino, a Providência contemplou-me com um amigo muito inocente. Vez por outra, ele me abordava com um convite um tanto surpreendente: “Vamos fazer uma caminhada a tal santuário? E uma penitência que prometi cumprir em sua companhia…”
- “Que tenho eu a ver com isto”, pensava. Mas, para não contrariar, sempre o acompanhava.
Apenas chegado à Roma, numa Sexta-feira da Quaresma, um colega italiano convidou-me para subir de joelhos a “Scala Santa”.
Tendo bem presente aquele meu amigo de infância, minha reação foi imediata: “Por acaso você fez uma promessa que também eu deverei cumprir?” Não replicou.
A escada à qual me refiro, não é urna escada qualquer. Trata-se daquela do Pretório de Pilatos, que Nosso Senhor Jesus Cristo, depois de flagelado, subiu para ser apresentado ao populacho judeu.
Ela foi trazida no século IV de Jerusalém para Roma, por Santa Helena. Mãe do Imperador Constantino. Encontra-se em frente ao Palácio Laterano que faz um só corpo com a Basílica de São João de Latrão. É um velho costume romano subi-la de joelhos, sobretudo na Quaresma.”
Não podendo recusar tal convite, partimos. Esperava encontrar o local repleto de penitentes. Que decepção! A voragem do mundo moderno arrasta as almas para ambientes avessos à oração e penitência.
Na verdade, ali estavam apenas alguns poucos, entre os quais um homem muito idoso que mal se equilibrava ao passar seus joelhos de um degrau para outro.
Depois de contemplar aquele cenário, entre comovido e enlevado, dobrei os joelhos e iniciei a subida. Já no segundo degrau deparei-me com uma marca saliente. Junto a ela, todos se detinham e osculavam uma placa de vidro. Satisfazendo minha curiosidade, meu companheiro explicou-me: “Trata-se do lugar onde caiu uma gota do Sangue que Nosso Senhor derramou.”
Mais alguns degraus e outras duas placas semelhantes. No último, o vigésimo oitavo, outra placa indicava a presença de mais uma gota do precioso Sangue. Os joelhos doíam-me. Mas pensei de mim para comigo: se por tão pouco sinto tal incômodo, o que não terá sido a dor do Divino Salvador neste passo da Paixão? Ele que tinha o direito de ser obedecido, servido e glorificado, foi coberto de injúrias e transformado em “um leproso no qual nada havia de são”, segundo as palavras da Sagrada Escritura.
Sim, tudo isso e muito mais Ele fez, precisamente há 1950 anos, para nos salvar. Para salvar este homem que sou eu, ou qualquer um de vós, leitores.
(AGENCIA BOA IMPRENSA – ABIM – de 4 de maio de 1983)
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