A
Igreja não vem dos homens, mas de Deus. Quando sua Palavra é anunciada
na assembleia litúrgica, é Ele mesmo que nos fala. E os Sacramentos
comunicam a força espiritual que provém do seu mistério pascal.
Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Emérito de Lorena
Bispo Emérito de Lorena
A Igreja não surgiu por acaso. Ela não
só esteve na intenção de Jesus, mas também é componente do projeto
salvífico de Deus, concebido, por amor, desde toda a eternidade. O
Vaticano II fala de uma Igreja que vem desde Adão, desde o justo Abel.1
Portanto, de uma Igreja que, à semelhança de uma criança no ventre
materno, esteve em processo de gestação em toda a história da salvação.
[...]
A Igreja vem de Deus
Essa longa história mostra que a
iniciativa de formar a Igreja não vem dos seres humanos. Vem de Deus. A
Igreja é dom de Deus à humanidade. Na concepção de São Paulo, ela é a
assembleia daqueles que foram chamados, convocados por Deus. Ela é o
reino do Senhor. É a comunidade onde o Ressuscitado está presente,
exercendo o seu poder salvífico.
Quando sua Palavra é anunciada na
assembleia litúrgica, é Ele mesmo que nos fala. Os Sacramentos, que a
Igreja celebra, comunicam a força espiritual que provém do seu mistério
pascal: Paixão, Morte e essurreição. A Eucaristia é o Sacramento pascal
por excelência, pois contém a presença do próprio Ressuscitado. É ela
que forma o corpo eclesial.
Fotos: David Domingues |
A Igreja de Jesus Cristo não está parcelada, dividida em várias igrejas; Ela "subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele" Dom Beni durante a aula de abertura dos cursos de Filosofia e Teologia dos Arautos do Evangelho |
Como ensina São Paulo, comer e beber são
atos de comunhão (cf. I Cor 10, 14-21). Quem se alimenta do corpo de
Cristo forma uma totalidade com Ele. Forma o Cristo Total, na expressão
de Santo Agostinho. Por isso mesmo, a Igreja é divina e humana ao mesmo
tempo.
Somente n'Ela se encontra a plenitude dos meios de salvação
Apesar da divisão dos cristãos, a Igreja
de Jesus Cristo não está parcelada, dividida em várias Igrejas. Ela
"subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos
Bispos em comunhão com ele",2 ensina o Vaticano II.
A Igreja Católica possui todos os
elementos de eclesialidade que encontramos no Novo Testamento: a mesma
fé, a totalidade dos canais da graça, que são os Sacramentos, a sucessão
do Colégio Apostólico na sua dimensão episcopal, a sucessão do
Ministério Petrino exercido pelo Papa, o ministério da Palavra não só
como anúncio, mas também como magistério autêntico, isto é, como ensino
normativo em nome de Cristo.
Essa identidade integral da Igreja
Católica deve ser levada em consideração no campo da evangelização e do
ecumenismo. É o que nos recorda a Exortação Apostólica do Papa João
Paulo II, Ecclesia in America: "Ao propor o Evangelho de Cristo em toda
a sua integridade, a atividade evangelizadora deve respeitar o
santuário da consciência de cada indivíduo, onde se desenrola o diálogo
decisivo, absolutamente pessoal, entre a graça e a liberdade do homem.
Deve-se levar isso em conta, especialmente quando se trata dos irmãos
cristãos das Igrejas e comunidades cristãs separadas da Igreja Católica,
que estão estabelecidas já há muito tempo em determinadas regiões. Os
vínculos de comunhão verdadeira, embora imperfeita, que, segundo a
doutrina do Concílio Vaticano II, essas comunidades já possuem com a
Igreja Católica devem iluminar as atitudes da Igreja e de todos os seus
membros em face daquelas comunidades. Entretanto, essas atitudes não
poderão chegar a prejudicar a firme convicção de que, somente na Igreja
Católica se encontra a plenitude dos meios de salvação estabelecidos
por Jesus Cristo".3
A riqueza da Igreja é, sobretudo, o seu mistério
A Igreja é uma realidade tão rica que,
de certo modo, não cabe dentro dos limites de uma definição. Por isso
mesmo, a teologia sempre teve dificuldade em definir a Igreja. A riqueza
da Igreja é, sobretudo, o seu mistério. A sua relação com a Trindade
Santíssima. A sua íntima relação com o Ressuscitado, pois, pela fé,
pelo amor, pela esperança, pela vida da graça e, sobretudo, pela
Eucaristia, ela forma uma totalidade com Ele. Ela é o seu Corpo
Místico. A Igreja é sacramento universal de salvação, ou seja,
instrumento e sinal de salvação.
Nos três primeiros séculos, os
pensadores cristãos preferiram recorrer ao uso de imagens para exprimir o
ser e a missão da Igreja. As imagens, em certo sentido, são mais
importantes que as definições. A definição envolve mais a nossa
inteligência. As imagens, ao contrário, não envolvem apenas a nossa
inteligência. Envolvem também o nosso coração, a nossa afetividade, a
nossa imaginação. A compreensão da realidade através de imagens jamais
se esgota.
Imagens reveladoras de uma realidade rica e misteriosa
Recordemos algumas imagens que
encontramos no Novo Testamento e em diversos pensadores dos primeiros
séculos, denominados Padres da Igreja. Comecemos pela imagem do templo
(cf. I Pd 2, 5). Quando o Novo Testamento denomina a Igreja de Templo
de Deus, templo do Espírito Santo (cf. I Cor 6, 19), essa expressão não
designa o edifício de pedras ou tijolos, mas a comunidade reunida. Ela é
o templo onde Deus habita.
Encontramos também a imagem da esposa
(cf. Ef 5, 24-32; Ap 22, 17). A Igreja é chamada a esposa de Cristo,
pois ela forma uma totalidade - "uma só carne" (Mt 19, 6) - com Ele.
Deve estar sempre unida a Ele pelo amor e pela fidelidade. A Igreja é
também designada como mãe, sobretudo pelo Bispo São Cipriano, que viveu
no século III. Ele chega a afirmar que "não pode ter Deus por Pai quem
não tem a Igreja por mãe".4
A Igreja é nossa mãe porque é ela que
nos gera como novas criaturas, nas águas do Batismo. Ela é nossa mãe
porque nos comunica a vida divina, através dos Sacramentos. Ela é nossa
mãe porque nos alimenta com a Eucaristia.
A Igreja é nossa mãe porque nos comunica a vida divina, através dos Sacramentos Missa de abertura do ano letivo na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, 28/1/2014 |
Toda mãe é também mestra. A Igreja é mãe
e mestra porque nos ensina a Palavra de Cristo e forma, pela educação
da fé, a personalidade do discípulo de Jesus. Santo Agostinho
acrescenta: "Honrai, amai, dai a conhecer a Santa Igreja, vossa mãe,
como a Jerusalém Celeste, a cidade santa de Deus; ela frutifica e cresce
na fé que ouvistes, através do mundo inteiro; ela, a Igreja do Deus
vivo, coluna e força da verdade".5
A Igreja é comparada à Lua.6 A Lua não
tem luz própria. Irradia a luz do Sol. Também a Igreja não tem luz
própria. Ela é chamada pelo Concílio Vaticano II de Luz dos Povos porque
irradia a luz de Jesus Cristo, que disse: "Eu sou a Luz do mundo" (Jo
9, 5). A Lua tem três fases: crescente, cheia e minguante. A Igreja é
"lua crescente quando anuncia a Palavra da vida, lua cheia quando
celebra os divinos mistérios, lua minguante na noite da caridade".7
O Vaticano II, na Constituição Dogmática
Lumen gentium,8 cita ainda outras imagens da Igreja. Cada imagem
revela alguns aspectos desta realidade rica e misteriosa que é a Igreja.
Ela é semelhante ao corpo humano
São Paulo usa duas imagens, que são complementares: Corpo de Cristo e Templo do Espírito. No capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios, ele mostra que a Igreja é uma realidade semelhante ao corpo humano. O corpo não é um amontoado de membros, mas um conjunto articulado. Cada membro desempenha uma atividade específica em vista do bem comum. As pernas não existem por causa delas mesmas, mas para que todo o corpo possa caminhar. Os olhos não existem por causa deles mesmos, mas para que o corpo possa ver. Ainda mais, entre os membros do corpo existe uma mútua dependência, de modo que todos são importantes. As mãos não podem dizer às pernas: não precisamos de vocês. As pernas não podem dizer à cabeça: não precisamos de você.
São Paulo usa duas imagens, que são complementares: Corpo de Cristo e Templo do Espírito. No capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios, ele mostra que a Igreja é uma realidade semelhante ao corpo humano. O corpo não é um amontoado de membros, mas um conjunto articulado. Cada membro desempenha uma atividade específica em vista do bem comum. As pernas não existem por causa delas mesmas, mas para que todo o corpo possa caminhar. Os olhos não existem por causa deles mesmos, mas para que o corpo possa ver. Ainda mais, entre os membros do corpo existe uma mútua dependência, de modo que todos são importantes. As mãos não podem dizer às pernas: não precisamos de vocês. As pernas não podem dizer à cabeça: não precisamos de você.
Entre os membros do corpo, vigora a
comunhão: quando um membro passa bem, essa sanidade repercute em todos
os membros. Quando um membro passa mal, o sofrimento repercute em todos
os membros. Ora, a Igreja é semelhante ao corpo humano. Membros desse
corpo eclesial são todos os batizados. Eles formam não um amontoado,
mas um conjunto organizado.
A Igreja é organizada como instituição
em vista da salvação. Como instituição, ela tem sua visibilidade, sua
organização e leis próprias. Ocupa um determinado espaço na sociedade. A
Igreja tem diversas categorias de membros: Papa, Bispos, padres,
diáconos, ministros, religiosos, leigos. Cada membro, porém, tem sua
missão específica, desempenha uma tarefa, um serviço em vista do bem
comum. Quando um membro da Igreja peca, é todo o conjunto que fica
enfraquecido. Quando um membro cresce na santidade de vida, todo o
conjunto se revigora.
Cabeça, alma e coração
Todo corpo tem uma cabeça. Segundo São
Paulo, a Cabeça da Igreja é Cristo (cf. Col 1, 18). É d'Ele, o
Ressuscitado, que provém a vida da graça para todos os membros da
Igreja.
Santa Teresinha do Menino Jesus, Doutora
da Igreja, em um belíssimo texto, observou que, à semelhança do corpo
humano, a Igreja tem também um coração. Segundo ela, o coração da Igreja
é a caridade. A propósito, escreve ela: "Entendi que só o Amor faz os
membros da Igreja agir, que se o Amor viesse a faltar, os Apóstolos não
anunciariam o Evangelho e os mártires não derramariam o seu sangue...
Compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que
inclui todos os tempos e lugares... Numa palavra, que é Eterno!...
Então, no excesso de minha alegria delirante, exclamei: Ó Jesus, meu
Amor... minha vocação, finalmente eu a encontrei!... Minha vocação é o
Amor!...".9
Como Santa Teresinha, cada membro da
Igreja pode dizer: minha vocação é o amor. O amor é tão importante para
o corpo eclesial, que podemos falar da Igreja do Amor, Igreja da
Caridade.
São Paulo chama também a Igreja de
templo do Espírito Santo (cf. I Cor 6, 19). Se Cristo é a cabeça da
Igreja, podemos dizer, usando ainda a imagem do corpo, que o Espírito
Santo é a alma da Igreja. À semelhança da presença da alma no corpo
humano, o Espírito Santo está presente em toda a Igreja e em cada
membro da Igreja. Como é a alma que dá identidade ao corpo, é também o
Espírito Santo que dá identidade à Igreja. Não existe Igreja sem o
Espírito Santo. A Igreja é comunidade de graça e salvação, ela é um
organismo vivo, porque a presença do Espírito nela suscita os diversos
carismas, que são o fundamento de todos os serviços e ministérios. É o
Espírito Santo que renova continuamente a Igreja e promove a comunhão
de todos os seus membros e a comunhão da Igreja com a Trindade.
Mais do que uma soma de indivíduos
O que é, pois, a Igreja? Sintetizando
todos os dados fornecidos pelas diversas imagens, podemos dizer que a
Igreja é aquela comunidade única no mundo, que, assistida pelo Espírito
Santo, guarda a memória de Jesus Cristo, celebra a sua presença de
Ressuscitado e O anuncia ao mundo.
A Igreja é aquela comunidade única no mundo, que, assistida pelo Espírito Santo, guarda a memória de Jesus Cristo, celebra a sua presença de Ressuscitado e O anuncia ao mundo Vista parcial dos alunos durante a aula inaugural |
A Igreja não é simplesmente a soma de
indivíduos que creem. Ela é a comunidade dos que creem. A comunidade é
uma realidade nova. É mais do que a soma de indivíduos. A fé que cada
membro da Igreja professa é a própria fé da Igreja. É a fé da Igreja
que torna possível o ato de crer de cada membro da Igreja. Por isso,
São Cirilo, Bispo de Jerusalém, no século VI, dizia: "Abraça e conserva a
fé que te é dada pela Igreja".10
Santo Irineu, Bispo de Lyon, escreveu
por volta do ano 200: A Igreja crê nas verdades que professa "como se
tivesse uma só alma e o mesmo coração; em pleno acordo as proclama,
ensina e transmite, como se tivesse uma só boca".11
A Igreja tem também uma mãe: Maria, Mãe
de Jesus, o Filho de Deus. Ao tornar-Se Mãe de Cristo, Ela tornou-Se
Mãe de todos os membros do seu Corpo, que é a Igreja. O discípulo, que
estava ao pé da Cruz e recebeu Maria como Mãe (cf. Jo 19, 26)
representava, naquele momento, todos os discípulos de Cristo.
Excertos da aula de abertura do ano letivo dos cursos de Filosofia e Teologia dos Arautos do Evangelho, 28/1/2014
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