São Lucas começa o Evangelho nos seguintes termos: "Visto que muitos já empreenderam por em ordem a narração das
coisas que entre nós se cumpriram, como no-las referiram os que, desde o
princípio, as viram, e foram ministros da palavra; pareceu-me bom
também a mim, excelentíssimo Teófilo, depois de ter investigado
diligentemente tudo desde o princípio, escrever-te por ordem a sua
narração para que conheças a verdade daquelas coisas em que foste
instruído.
O Evangelho de São Lucas é como que o
primeiro livro de sua história; os Atos dos Apóstolos constituem o
segundo. Por isso, diz no prefácio dos Atos:
"Na primeira narração, ó Teófilo, falei
de todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, até ao dia em
que, tendo dado preceitos por meio do Espírito Santo aos Apóstolos que
tinha escolhido, foi arrebatado ao céu; aos quais também se manifestou
vivo, depois da sua Paixão, com muitas provas de que vivia,
aparecendo-lhes por quarenta dias, e falando do reino de Deus. E,
estando à mesa com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de
Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual ouvistes da
minha boca; porque João na verdade batizou em água, mas vós sereis
batizados no Espírito Santo."
Tal é, de acordo com o próprio São
Lucas, o conjunto dos dois livros da sua autoria. Quanto ao primeiro,
que compreende a história de Jesus Cristo até à sua Ascensão, nem a
todos os fatos testemunhou, mas deles ouviu a narração da boca das
pessoas que viram Jesus Cristo com os próprios olhos e viveram na sua
intimidade. Entre essas testemunhas oculares, inclui-se a Santa Virgem
em relação à vida privada do Salvador, e os apóstolos em relação à sua
vida pública. Na vida oculta do Salvador se encontra a aparição do anjo
Gabriel ao sacerdote Zacarias no santuário do Templo; a revelação de que
nasceria de sua mulher Isabel um filho que seria o precursor do
Messias; a aparição do anjo do Gabriel a Maria, na casa de Nazaré; a
comunicação que ela conceberia do Espírito Santo e daria à luz o próprio
Messias, que seria chamado Jesus: a visita de Maria à sua prima Isabel,
que nela reconheceu a Mãe do seu Senhor; o Magnificat ou Cântico de
Maria para bendizer Deus pelas grandes coisas que operaria nela e por
ela; o nascimento de João Batista, o milagre de seu pai Zacarias, que
recobrou a palavra para celebrar no Benedictus as misericórdias de Deus
de Israel sobre os homens, em particular sobre a criança que acabava de
nascer; a viagem da santa família de Nazaré, o nascimento do Salvador
num estábulo; os anjos que o anunciam aos pastores e cantam a Glória in
Excelsis; os pastores que vem adorá-lo no presépio; o nome de Jesus, que
lhe foi dado no dia da Circuncisão; a apresentação ao templo, onde é
resgatado por duas rolas e reconhecido pelo santo velho Simeão, que
canta o Nume Dimitris; a peregrinação ao templo de Jerusalém com a idade
de doze anos; sua permanência no templo, a volta a Nazaré, onde está
sujeito a Maria e a José. São Lucas teve conhecimento pela própria boca
da santa Virgem de todos esses divinos mistérios, cuja contemplação
transporta de júbilo os anjos. É como se ela mesma os narrasse.
Quanto à vida pública do Salvador, nem
os evangelistas, nem os apóstolos a relataram inteiramente. O próprio
São João diz no fim do seu Evangelho: "Muitas coisas há que fez Jesus,
as quais, se fossem descritas uma por uma, creio que nem no mundo todo
poderiam caber os livros que seria preciso escrever. O que cada um dos
evangelistas escreveu basta, não simplesmente para fazer-nos conhecer,
mas, de acordo com a expressão do texto original de São Lucas, para
fazer-nos superconhecer a verdade, a exatidão das coisas que já
conhecemos de maneira certa através do ensinamento oral da Igreja. Eis
alguns tocantes episódios que devemos a São Lucas:
A história da pecadora que vai à casa do
fariseu Simeão prosternar-se aos pés do Salvador, regá-los em lágrimas,
e a quem é concedida a remissão dos pecados; a cura de Hemorroisse por
haver tocado a fímbria do seu vestido, e aressurreição da filha de Jair;
a caridade do Samaritano; a parábola do filho pródigo; a história do
mau rico e do pobre Lázaro; a oração do fariseu e a do publicano, a
conversão pública de Zacarias, que o recebeu na sua casa, e que dá aos
pobres a metade de seus bens.
São Lucas conhecia esses episódios por
intermédio daqueles que os tinham testemunhado com seus olhos e ouvidos;
pois não pertencia ao número dos primeiros discípulos do Salvador, nem
mesmo era judeu de origem, e sim, grego de Antioquia. Foi em grego que
escrevei o Evangelho e os Atos dos Apóstolos; seu estilo lembra a
elegante simplicidade de Xenofonte
e Heródoto. De resto, um escritor inglês demonstrou que muitas locuções
da Bíblia, em particular do Novo Testamento, consideradas hebraísmos,
barbarismos, solecismos por certos críticos, são locuções próprias dos
poetas e historiadores clássicos dos gregos. Teófilo, a quem São Lucas
dedica seus dois livros, e ao qual dá o título de Excelente ou
Excelência, parece ter sido cristão de alta posição social.
Os Atos dos Apóstolos, iniciados por São
Lucas com a Ascensão de Jesus Cristo, mostram-nos os discípulos e os
apóstolos reunidos no cenáculo, cm Maria, Mãe de Jesus; São Pedro
fazendo, pela primeira vez, uso da sua autoridade de Vigário de Jesus
Cristo e de Chefe da Igreja, na eleição de um novo apóstolo para
substituir Judas, o traidor; o Espírito Santo descendo sobre os
apóstolos e os discípulos no dia de Pentecostes; São Pedro convertendo
três mil almas com uma única pregação, curando um coxo de nascimento, e
convertendo cinco mil almas; Pedro e João encarcerados; sua
perseverança; nova efusão do Espírito Santo; vida edificante dos
primeiros cristãos; Barnabé vende seu campo e dá o dinheiro aos pobres;
punição de Ananias e Safira por terem mantido a São Pedro; curas
operadas pelos apóstolos, a popularidade dos mesmos apóstolos; a prisão e
conseqüente libertação dos apóstolos por um anjo; discurso de Gamaliel
no sinédrio; os apóstolos espancados com varas; eleição dos sete
diáconos; zelo e poder de Estevão, seu martírio; perseguição dos fiéis; o
diácono Filipe na Samaria; Simão, o mágico; o eunuco da rainha Candança
batizado por Filipe; conversão de São Paulo; paz na Igreja; Pedro cura o
paralítico Enéias, ressuscita a viúva Tabita e batiza o centurião
Cornélio, primícias dos gentios; martírio de São Tiago; Pedro libertado
da prisão por um anjo; primeiro concílio de Jerusalém, presidido por São
Pedro. Na continuação dos Atos São Lucas fala quase só de São Paulo, de
quem foi companheiro inseparável, e termina o livro com a prisão desse
apóstolo, em Roma.
São Paulo, refere-se várias vezes a São
Lucas como a seu fiel cooperador. Saúda os cristãos de Colosso da parte
de Lucas, médico, que lhe é muito caro. Alguns escritores antigos também
atribuem a este último a qualidade de pintor. São Paulo enviou-o com
Tito a Corinto. Depois da morte do Apóstolo, São Lucas pregou o
Evangelho em diversos países, entre outros, na Gália. Um antigo
martirológio lhe confere os títulos de evangelistas e de mártir.
Encerrou a longa carreira na Bitínia, ou, de acordo com outros, na
Acaia. Suas relíquias foram transportadas para Constantinopla, e de lá
para Pádua. (Padre Rohrbacher, Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume
XVIII, p. 300 à 306)
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