Não erreis, diz o mesmo apóstolo, os ladrões não herdarão o reino de Deus.
O
furto consiste em tomar, sem razão legítima, o alheio, às escondidas
do dono. A rapina é um furto praticado à força na presença do dono.
A
fraude consiste em enganar no comércio, no peso, na medida, na
qualidade, no preço, nos contratos. A usura, em cobrar juros excessivos.
É
pecado intentar processos injustos, recorrer à chicana para
apoderar-se dos bens ou dos direitos dos outros, ficar com um objeto
achado quando o dono é conhecido ou pode ser conhecido facilmente,
comprar cientemente coisas furtadas, causar qualquer prejuízo ao
próximo em seus bens, sua lavoura, seus negócios.
Enfim,
pecam contra a justiça todos os que mandam ou aconselham ou às vezes
simplesmente consentem que outros causem qualquer prejuízo ao próximo.
Pois
este pecado é tão abominável que deveria inspirar horror a todos os
cristãos, porque atrai sobre o homem a cólera de Deus e os priva do céu.
O
alheio é uma isca com que se engole o anzol pelo qual Satanás pega as
almas. No entanto os homens são tão levados para os bens perecedores,
que seus herdeiros disputarão e arrancarão depois da morte, que
obcecados pela cobiça deixam se arrastar. Há certas pessoas que
tributam, por assim dizer, honras divinas ao dinheiro e o apreciam como
seu fim último. “Seus deuses são o ouro e a prata”, diz o profeta
Daniel.
Verdade
é, há pecados mais graves que o furto, mas nenhum torna mais difícil a
eterna salvação. A razão disso é que, para alcançar o perdão dos
demais pecados, basta ter deles um verdadeiro arrependimento, e
confessá-los; mas não assim quando se trata do furto; o arrependimento
com a confissão não é suficiente, além disso é preciso restituir. Ora,
nada mais raro que a restituição. Eis a visão que teve um certo
eremita: viu Lúcifer sentado no seu trono. Era a hora em que os
demônios voltavam da terra aonde tinham sido mandados para tentar os
homens. A um que chegou muito atrasado, Satanás perguntou qual o motivo
do seu grande atraso. Respondeu que tinha trabalhado até àquela hora
para impedir a um ladrão que fizesse uma restituição que lhe pesava
muito na consciência. Lúcifer mandou castigá-lo, dizendo-lhe que não
devia ignorar que o ladrão nunca restitui e que tinha perdido seu
tempo.
Em verdade assim é.
Dir-se-ia
que o alheio se converte em próprio sangue e a dor de tirar o próprio
sangue para dá-lo a outro é coisa dura de se sofrer. Demonstra-o a
experiência de todos os dias.
Quantos
procuram iludir-se sobre a necessidade da restituição. Alega-se a
pobreza... a família... deixa-se aos herdeiros o cuidado de restituir,
ou, para tranquilizar a consciência, dá-se alguma esmola aos pobres,
mesmo quando se conhece a quem se deve. No entanto, Santo Agostinho
disse: “ou restituição ou condenação”.
Consideremos
com S. Gregório que as riquezas que temos amontoado por meios injustos
nos abandonarão um dia, mas que os crimes cometidos nunca nos
abandonarão. Lembremo-nos que é uma extrema loucura deixar após si bens
de que não teremos sido donos senão uns instantes e de carregar conosco
injustiças que nos atormentarão eternamente.
Não
tenhamos a insensatez de transmitir aos nossos herdeiros o fruto do
nosso pecado para nos carregar de toda a pena que lhe é devida e não nos
exponhamos à horrorosa desgraça de arder eternamente na outra vida por
termos educado e enriquecido filhos talvez ingratos. Lembremo-nos principalmente da palavra de Jesus Cristo: “Que serve ao homem lucrar o mundo inteiro, se depois perder sua alma?”
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